Despedimento Coletivo
Diana Cunha Silva
Assistente Convidada na Faculdade de Direito da Universidade do Porto
Resumo
O despedimento coletivo apresenta-se como uma modalidade de cessação de contratos de trabalho que se caracteriza por resultar de uma decisão unilateral do empregador com base em motivos objetivos (sem que haja acordo entre as partes ou atuação culposa do trabalhador).
Desde o seu surgimento e correspondente tratamento jurídico que esta figura tem provocado inquietude no seio da comunidade jurídica e não jurídica, originando a desocupação em larga escala de um sem número de trabalhadores.
Ainda que admissível à luz do Ordenamento Jurídico Português, tornou-se necessário encontrar um equilíbrio na relação entre o empregador e o trabalhador, através da regulamentação desta matéria, que não só definiu as situações que configuram despedimento coletivo, como estabeleceu o procedimento necessário para efetivação do mesmo e os instrumentos ao alcance do trabalhador para impugnar eventuais despedimentos ilícitos.
I. Introdução
A relação laboral entre empregador e trabalhador, idealmente, só veria o seu fim com a caducidade por reforma do trabalhador. Contudo, nem sempre isso acontece.
O tema da cessação do contrato de trabalho pode convocar aspetos sociais, humanos e económicos relevantes, sendo, nos dias de hoje, um tema particularmente sensível.
Numa perspetiva idealista, o contrato de trabalho seria celebrado para durar, apenas caducando ou pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber ou ainda, pela sua reforma, por velhice ou invalidez.
Contudo, no âmbito da sociedade atual, marcada pela globalização, dinamismo e inovação, a ideia do “emprego para a vida” tem vindo a desaparecer.
Assim, para além da caducidade, existem outras modalidades de cessação do contrato de trabalho, quer por iniciativa do empregador (despedimento por facto imputável ao trabalhador, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação), quer por iniciativa do trabalhador (resolução ou denúncia) ou ainda por vontade de ambos através da revogação do contrato de trabalho.
Neste caso, o despedimento coletivo inclui-se nas modalidades de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, encontrando-se regulado nos artigos 359.º e seguintes do Código de Trabalho Português.
Apesar da figura do despedimento coletivo ser atualmente uma figura de aceitação consensual, o seu enquadramento constitucional ainda hoje pode levantar diferentes questões, sobretudo no que toca ao conceito de “justa causa” previsto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa e na questão de saber se tal conceito abarca elementos subjetivos e objetivos. Depois de uma enorme discussão por parte da doutrina e da jurisprudência sobre esta matéria, tem-se entendido que devemos distinguir dois tipos de justa causa: a justa causa subjetiva, que se funda num comportamento culposo do
trabalhador; e a justa causa objetiva, dependente de motivos relacionados com a empresa, que inviabilizam a prossecução da relação laboral.
O referido preceito constitucional enquadra os despedimentos não proibidos, e, portanto, o próprio despedimento coletivo. Ainda assim, apesar de se tratar de um despedimento lícito, mantém-se a ideia geral de tutela possível à segurança no emprego.
- Considerações gerais a propósito do Despedimento Coletivo em Portugal
- Noção
- O elemento qualitativo – os motivos justificativos do despedimento coletivo
- Noção
O despedimento coletivo pode definir-se como um conjunto de cessações de contratos de trabalho, determinadas por um único motivo que poderá ser de mercado, estrutural ou tecnológico, tendo assim uma fundamentação objetiva.
Os fundamentos do despedimento coletivo estão assim elencados no artigo 359.º do Código de Trabalho, caracterizando-se por serem, essencialmente, motivos económicos, que devem ser apreciados em função da empresa, do contexto atual e o futuro da sua atuação.
Pelo artigo 359.º, n. º2 do Código de Trabalho, o legislador auxilia o intérprete, oferecendo uma noção de motivos de mercado (alínea a), estruturais (alínea b) e tecnológicos (alínea c). Trata-se, todavia, de uma identificação exemplificativa de aspetos integrantes dos referidos motivos, que “se reconduzem a um fundamento económico, pois mesmo os motivos tecnológicos hão-de ter uma base económica. (…) não há dúvida de que a indicação é exemplificativa, podendo haver outros motivos justificativos do despedimento.”1
O legislador procurou que o despedimento coletivo fosse um meio para evitar as crises nas empresas, e não uma solução quando a crise já está instalada. É este um mecanismo destinado a dimensionar e reorganizar a empresa, evitando-se assim o despedimento em crise. Por isso mesmo, é que o despedimento coletivo se relaciona com a gestão da empresa, e não com os trabalhadores individualmente considerados, sendo, portanto, um despedimento objetivo.
1 Pedro Romano Martinez, 2013 Direito do Trabalho, 6.º edição, Almedina, Coimbra, pp. 928
No entanto, o controlo jurisdicional dos fundamentos que conduzem ao despedimento coletivo desempenha, nesta matéria, um papel importante. A este respeito, o tribunal deve ter em consideração uma adequada ponderação dos vários interesses em presença, seja “o interesse do empregador – titular do poder exercido – mas também, os interesses colectivos na persistência da base de trabalho de todo o pessoal.”2
No entanto, “não cabe ao Tribunal apreciar o mérito de tais decisões, porque o empresário é livre de empreender um caminho ruinoso; o tribunal só tem de verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito ou se o motivo não foi ficticiamente criado.”3
Repare-se que a decisão de despedimento coletivo é uma decisão de caráter gestionário, que se baseia em factos presentes e objetivos, mas também em previsões, prognoses, tendências e expectativas evolutivas, percecionadas por aquele que detém o poder decisório dentro da empresa.
A intromissão do juiz na apreciação dos fundamentos que justificaram tal decisão de gestão empresarial é inconstitucional, representando uma violação do artigo 61.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa, contrariando o direito fundamental de propriedade privada.
A verdade é que a fundamentação do despedimento é comum à cessação dos diversos contratos, o que confere especificidade a esta forma de extinção da relação laboral. No entanto, não nos deixemos enganar, já que, a final, o despedimento (apesar de “coletivo”) resulta na emissão de declarações extintivas individuais. Assim, apesar de o despedimento coletivo abranger uma pluralidade de trabalhadores é necessariamente emitida uma declaração a cada trabalhador, ainda que haja, contudo, um motivo comum que determina a extinção individual de vários vínculos laborais. Aliás, “é certo e seguro que no controlo jurisdicional dos despedimentos coletivos, o tribunal poderá considerar subsistente e válido um quadro motivacional referente a alguns trabalhadores e improcedentes outras motivações relativas a outros trabalhadores.”4
Por isto se conclui que a motivação do despedimento coletivo deve ser devidamente fundamentada por parte do empregador, sob pena do motivo justificativo sem declarado
2 Bernardo da Gama Lobo Xavier, Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Volume III, pp. 246
3 Pedro Romano Martinez, 2013 Direito do Trabalho, 6.º edição, Almedina, Coimbra, pp. 928
4 Bernardo Gama Lobo Xavier, O Despedimento Coletivo no dimensionamento da empresa, Verbo, Lisboa, 2000. Pp. 401-402.
improcedente e consequentemente o despedimento ser ilícito (artigo 381.º, alínea b) do Código de Trabalho).
1.2. Elemento quantitativo – o número de trabalhadores abrangidos
O despedimento coletivo determina a cessação de contratos de trabalho de, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, consoante a empresa tenha menos ou mais de cinquenta trabalhadores (artigo 359.º, n. º1 do Código de Trabalho). Assim, no que respeita ao elemento quantitativo importa fazer a distinção entre uma micro ou pequena empresa ou uma média ou grande empresa. A este respeito, dispõe o artigo 100.º, n. º1 do Código de Trabalho que: “Considera-se: a) Microempresa a que emprega menos de 10 trabalhadores; b) Pequena empresa a que emprega de 10 a menos de 50 trabalhadores; c) Média empresa a que emprega de 50 a menos de 250 trabalhadores; d) Grande empresa a que emprega 250 ou mais trabalhadores.”.
Deste modo, no caso de micro e pequenas empresas, para estarmos perante um despedimento coletivo, deve haver lugar ao despedimento de pelo menos dois trabalhadores no período de três meses. Já no caso das médias e grandes empresas, os trabalhadores despedidos devem ser pelo menos cinco, durante o mesmo período de três meses. É de entender que estamos perante um verdadeiro despedimento coletivo não só quando o elemento quantitativo está preenchido, mas também quando as cessações dos contratos dos trabalhadores despedidos não são substituídos. Isto é, os contratos daqueles trabalhadores, aquela concreta categoria ou profissão, cessarem e, nessa sequência não serem substituídas.
Ainda a propósito do elemento quantitativo, suscita-se uma questão pertinente que tem a ver com o facto de “saber qual o momento relevante para verificar se os critérios quantitativos estão reunidos5.”. Parece de acreditar que tal terá de ocorrer “no momento inicial do procedimento (…), muito embora seja comum que, ao longo do processo o empregador e alguns trabalhadores cheguem a acordo.”. É importante notar que nem sempre o número de despedimentos final corresponderá ao número de despedimentos que
5 Pedro Rica Lopes, Despedimento Coletivo – sua evolução histórica e legislativa, Prontuário de Direito do Trabalho (2012) n. º93, pp. 225-226
se previu vir a acontecer. Contudo, a doutrina tem entendido que aquilo que releva são o número de despedimentos intencionado a priori e não o número de despedimentos a final decididos, já que este segundo número, ainda que inferior não poderá implicar o procedimento. Aliás, tal situação, tem sido confirmada pela própria jurisprudência, sendo inúmeros os casos em que o despedimento se iniciara com vários trabalhadores, terminando apenas face a alguns ou até a um.
2. O Procedimento
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A comunicação inicial do Despedimento Coletivo
O artigo 360.º, n. º1 do Código de Trabalho impõe que: “O empregador que pretenda proceder a um despedimento colectivo comunica essa intenção, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.”, revestindo esta fase de especial relevância para o trabalhador. Tal fase representa um processo de reflexão interna por parte da empresa associada a decisões de gestão e aos motivos inerentes ao despedimento.
Esta ponderação e reflexão por parte da entidade empregadora facilmente se relaciona com o paradoxo entre a liberdade que o empregador tem de gerir a sua empresa, e por outro lado, o direito dos trabalhadores à segurança no emprego. No entanto, dúvidas não existem de que “são os empresários as pessoas idóneas para criar ou encerrar empresas e para as dimensionar (…)6”, desempenhando os tribunais um papel de árbitro, cuja função se subsume à análise dos “critérios de gestão da empresa e à verificação da existência de um nexo entre os fundamentos e o despedimento.”7
Tem o legislador português o dever de harmonizar as duas posições, encontrando um equilíbrio entre ambas as partes, sem, por um lado, enfraquecer a posição do trabalhador, e sem, por outro lado, ferir a liberdade do empregador de dispor da sua empresa.
No que concerne à comunicação dirigida aos trabalhadores, a jurisprudência tem-se pronunciado, no sentido de que a mesma deverá conter uma menção expressa dos motivos do despedimento, com uma referência quer à fundamentação económica do despedimento, quer às razões de escolha dos trabalhadores abrangidos.
6 Bernardo Gama Lobo Xavier, O Despedimento Coletivo no dimensionamento da empresa, Verbo, Lisboa, 2000. Pp. 401-402.
7 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13 de dezembro de 2007
O legislador português procurou esclarecer no artigo 360.º, n. º2 do Código de Trabalho as menções que devem constar na comunicação inicial referida no n. º1 do artigo 360.º, fazendo referência aos motivos invocados, aos critérios de seleção, ao número de trabalhadores abrangidos e categorias profissionais abrangidas, ao período de tempo pretendido para efetuar o despedimento e ao método de cálculo de compensação. Tais menções são a garantia da transparência e equidade que deve pautar os procedimentos de despedimento coletivo.
2.2. Fase de negociações e informações
Após a comunicação a que se refere o artigo 360.º, n. º1 do Código de Trabalho, nos cinco dias posteriores, segue-se a fase de informações e negociação “com vista a um acordo sobre a dimensão e medidas a aplicar, e bem assim, de outras medidas que reduzam o número de trabalhadores a despedir” (artigo 361.º do Código de Trabalho), no qual participará o serviço competente do ministério responsável pela área laboral (artigo 362.º do Código de Trabalho). A participação do serviço competente do ministério pela área laboral na negociação visa “promover a regularidade da sua instrução substantiva e procedimental e a conciliação dos interesses das partes.”
A lei é imperativa na realização de tal fase de negociação e informação, por forma a obstar a que o empregador proceda a despedimentos injustificados, sem permitir aos trabalhadores sindicar as medidas adotadas. A jurisprudência tem sido constante nesta matéria, alertando para a necessidade de promoção da fase de informações e negociação, referindo que tal omissão comportaria um despedimento quase sem procedimento, incentivando despedimentos individuais através da invocação de despedimentos coletivos8.
O objetivo principal desta fase será encontrar outras medidas que permitam a redução do número de trabalhadores a despedir, tais como a suspensão de contratos de trabalho, a redução de períodos normais de trabalho, a reconversão ou requalificação profissional ou até a reforma antecipada ou pré-reforma (artigo 361.º do Código de Trabalho).
Nesta fase é permitida à estrutura representativa dos trabalhadores ou, na sua falta ao trabalhador individual apresentar as suas propostas ou sugestões. Também nesta fase o trabalhador poderá contestar a escolha de ter sido abrangido pelo despedimento coletivo,
8 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 1222/10.1TTVNG-A.P1, de 04 de junho de 2012.
bem como os motivos invocados pelo empregador para justificar o despedimento coletivo.
Esta fase é marcada pela existência de um notório desequilíbrio entre as partes, sendo comum observar-se apenas o cumprimento dos formalismos por parte do empregador e não uma verdadeira fase de negociações, com espírito de abertura e compreensão.
2.3. Decisão de despedimento coletivo
Celebrado o acordo ou na falta deste, após terem decorridos 15 dias desde a comunicação inicial de intenção de despedimento coletivo o empregador comunica à estrutura representativa dos trabalhadores ou (na sua falta) a cada trabalhador abrangido, a decisão de despedimento, com a menção expressa do motivo e da data de cessação do contrato e indicação do montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho. Tal comunicação deverá ser remetida por escrito, com uma antecedência mínima, relativamente à data de cessação, que poderá ir dos 15 aos 75 dias, conforme antiguidade do trabalhador (artigo 363.º do Código de Trabalho).
É ainda de referir que, no caso de o despedimento abranger os cônjuges ou pessoas que vivam em união de facto, a comunicação deverá ser feita com a antecedência mínima prevista no escalão imediatamente superior ao que seria aplicável se apenas um deles integrasse o despedimento.
De acordo com o artigo 363.º, n. º4, caso o empregador não observe o prazo mínimo de aviso prévio, o contrato só cessará uma vez decorrido o período de aviso prévio em falta, devendo o empregador pagar a retribuição correspondente a esse período. Segundo o artigo 364.º, “durante o prazo de aviso prévio, o trabalhador tem direito a um crédito de horas correspondente a dois dias de trabalho por semana, sem prejuízo da retribuição.
2.4. Compensação
A Lei n. º13/2013, de 29 de maio procedeu à alteração do valor da compensação a conceder ao trabalhador em caso de despedimento coletivo: “o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 14 dias de retribuição base e diuturnidade por cada ano completo de antiguidade.” (artigo 366.º, n. º1 do Código de Trabalho).
Assim, a partir de 01 de maio de 2023, e no que respeita ao período de duração do contrato contado desde essa data, o valor da compensação devida ao trabalhador em caso de despedimento coletivo passa a ser de 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. Todavia, esta nova regra apenas se aplica relativamente ao período de duração dos contratos de trabalho posteriores a 01/05/2023.
No que respeita aos contratos de trabalho a termo (certo ou incerto) a compensação devida por caducidade foi aumentada para 24 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade. Anteriormente, no caso de contrato de trabalho a termo certo esta compensação estava fixada em 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade; e no caso de contrato de trabalho a termo incerto, a compensação correspondia a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos 3 primeiros anos de duração do contrato, a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes.
3. Tutela da posição dos trabalhadores
Através da análise dos preceitos legais referentes ao despedimento coletivo, conclui–se que a tutela da posição dos trabalhadores abrangidos pelo procedimento é alcançada através de vários aspetos, dos quais se destaca, desde logo, a proteção conferida no que toca à obrigatoriedade de interlocução, justificação e fundamento na tomada de decisão do empregador, bem como a procura de soluções alternativas ao despedimento. A exigência de observância de um procedimento com interlocução do trabalhador, estruturas representativas, entidades oficiais e formalismo adequado garantem a transparência necessária. Por outro lado, tal tutela também se depreende da obrigatoriedade de cumprimento por parte do empregador de um período de aviso prévio, que varia entre os 15 e os 75 dias, sendo o despedimento apenas eficaz após o decurso desse prazo. Verifica-se ainda a existência de um crédito de horas conferido aos trabalhadores para gozo durante o decurso do aviso prévio com vista a proporcionar-lhe condições e tempo para procurarem um novo trabalho. Além disso, o despedimento coletivo implica o pagamento de uma compensação de acordo com uma fórmula de cálculo legalmente prevista à qual acresce o pagamento dos créditos laborais. Por fim, mas não menos importante, mantém-se a possibilidade de acionar o controlo judicial do despedimento.
4. Ilicitude e improcedência do despedimento
Os fundamentos gerais para a ilicitude de um despedimento estão presentes no artigo 381.º do Código de Trabalho. Por sua vez, para além dos casos gerais, num processo de despedimento coletivo, estamos perante um despedimento ilícito nos casos especiais do artigo 383.º do Código de Trabalho.
De acordo com o artigo 388.º do Código de Trabalho, a ilicitude do despedimento coletivo só pode ser declarada por tribunal judicial, dispondo o trabalhador do prazo de 6 meses para intentar a respetiva ação, a contar da data de cessação do contrato, sob pena de caducidade do direito de ação. Por força da remissão operada pelo artigo 388.º, n. º3, conclui-se que o empregador no âmbito da ação de apreciação judicial do despedimento apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
Mediante providência cautelar, o trabalhador afetado poderá requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias a contar da data do recebimento da comunicação de despedimento, a qual será decretada apenas com base na existência de irregularidades formais do despedimento, ou na falta de colocação à disposição do trabalhador a compensação legal devida ou os créditos laborais, de acordo com os artigos 386.º do Código de Trabalho e os artigos 34.º e seguintes do Código de Processo de Trabalho.
O processo de impugnação do despedimento coletivo consubstancia um processo declarativo especial, nos termos do artigo 48.º do Código de Processo de Trabalho, cujos trâmites se encontram regulados nos artigos 156.º e seguintes do Código de Processo de Trabalho
No caso eventual do despedimento coletivo ser declarado ilícito pelo Tribunal, as consequências da ilicitude estão elencadas no artigo 389.º do Código de Trabalho, subsumindo-se à obrigatoriedade de indemnização do trabalhador por todos os danos causados (patrimoniais e não patrimoniais) e a reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º do Código de Trabalho.
A este respeito, diga-se que “é de aplaudir a opção do Código em consagrar como normal a reintegração, ainda que porventura não seja este o estatisticamente mais desejado pelo Trabalhador (…)”9. Ainda assim, o trabalhador poderá optar pela não reintegração e por uma indemnização em substituição daquela, de acordo com o artigo 391.º do Código de Trabalho.
Aliás, a própria entidade empregadora poderá opor-se à reintegração em casos limitados como os do artigo 392.º do Código de Trabalho. Todavia, nestes casos, o legislador impõe que o regresso do empregador seja “gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.”. Ou seja, não basta uma mera inconveniência. Exige-se um prejuízo, uma perturbação grave para a atividade empresarial. Contudo, quando estejamos perante um despedimento ilícito fundado nos motivos do artigo 392.º, n. º2 do Código de Trabalho, tal hipótese de substituição da reintegração pela indeminização é, desde logo, afastada.
Por fim, para além da indemnização pelos danos e da reintegração ou indemnização substitutiva, o trabalhador tem ainda direito, depois de declarada a ilicitude do despedimento pelo tribunal, às prestações intercalares, nos termos do artigo 390.º do Código de Trabalho, ou seja, “as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.”
5. A necessidade de um controlo judicial mais rico
A doutrina tem procurado apelar a um controlo judicial mais amplo na sindicabilidade da decisão de despedimento coletivo. A tese de que a empresa pertence ao empregador contamina todo o procedimento de negociação. Se por um lado o Tribunal tem o poder de controlar os atos de gestão corrente, deixa de controlar a decisão do empregador de recurso ao despedimento coletivo.
É premente que o juiz tenha a decisão final sobre a adequação dos motivos apresentados para justificar o despedimento coletivo, confirmando a proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento.
Ainda que a livre iniciativa económica e o direito de propriedade privada tenham um papel fundamental, é essencial garantir a sua adequação a outros cânones constitucionais,
9 Júlio Gomes, Júlio Manuel Vieira – Direito do Trabalho, Volume I – Relações individuais de trabalho, Coimbra Editora, Cimbra 2007, p.1019
designadamente o princípio da segurança. Se a relação laboral caracteriza-se por ser uma relação entre desiguais, o Tribunal será inevitavelmente o seu ponto de equilíbrio.
Por outro lado, é censurável a liberdade ilimitada do empregador na escolha dos critérios de seleção dos trabalhadores a despedir, não desempenhando o Tribunal um papel de sindicabilidade dos mesmos. Onde se encontra a legitimidade do empregador para escolher determinados trabalhadores no meio dos outros? Como pode o empregador saber se o despedimento se revela mais danoso para uns do que para outros?
Por isso, será de defender que a comunicação final de despedimento para além da referência aos motivos da cessação do contrato, refira também o motivo individual que determinou a escolha de certo trabalhador em concreto.
Ainda que hoje em dia, exista doutrina que defensa este entendimento, designadamente Fraústo da Silva, a jurisprudência tem sido mais comedida, defendendo que o despedimento coletivo tem subjacente a si uma subjetividade inultrapassável, já que a lei não estabelece critérios de preferência na manutenção dos pontos de trabalho.
6. A Proibição do Outsourcing
A Lei n.º13/2023, de 3 de abril que altera o Código de Trabalho e legislação conexa, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, aditou um novo artigo (338.º-A) àquele, sob a epígrafe “Proibição de recurso à terceirização de serviços”, o qual vem expressamente proibir os empregadores de contratar serviços externos (outsourcing) com a finalidade de suprir necessidades antes asseguradas por trabalhador cujo contrato de trabalho tenha cessado nos 12 meses anteriores, através dos mecanismos de despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho. Todavia, tal artigo é, do ponto de vista constitucional, duvidoso. Tal alteração consubstancia uma novidade fortemente limitadora, e altamente atentatória da liberdade empresarial. Como se sabe a terceirização de serviços consiste no processo através do qual as empresas contratante e subcontratada estabelecem um relacionamento mútuo, baseado na realização de uma atividade por parte da empresa subcontratada, que é, geralmente, especialista naquela função. Esta forma de organização estrutural permite às empresas reduzir ou controlar custos, aumentar a produtividade e a competitividade no mercado e reduzir riscos. Com esta alteração uma empresa não pode por exemplo substituir um segurança por uma empresa de segurança, ainda que essa empresa represente uma diminuição dos custos associados. Podemos assim questionar: onde fica o direito de propriedade privada, a liberdade empresarial ou a iniciativa económica privada?
III. Conclusão
Nos últimos anos, os despedimentos coletivos em Portugal têm aumentado substancialmente, funcionando como um mecanismo de resposta das empresas a grandes crises financeiras, como é exemplo a situação pandémica. Apesar do despedimento coletivo poder ser considerada a única solução viável para a sobrevivência das empresas, tal comporta uma decisão complexa e delicada. Ainda assim, a responsabilidade social e o respeito pelos direitos dos trabalhadores são pilares que devem nortear qualquer ação tomada no seio empresarial, procurando minimizar ao máximo o impacto negativo nas suas vidas.
No entanto, o legislador laboral pode e deve melhorar deficiências que a doutrina tem identificado no procedimento do despedimento coletivo: qual a sanção aplicável perante a omissão da fase de informações e negociações para além de uma mera responsabilidade contraordenacional? Qual o prazo-limite para a decisão final do despedimento coletivo? Não pecará o regime de invalidade por defeito? Qual a consequência para a falta de pagamento da compensação devida?
Do ponto de vista do trabalhador, cumpre essencialmente dar visibilidade aos mecanismos ao seu dispor para responder a situações potencialmente ilícitas, seja numa fase anterior, durante o procedimento propriamente dito através das obrigações que recaem sobre a entidade patronal, seja no direito à impugnação do despedimento coletivo através do processo especial de impugnação do mesmo e ainda através do procedimento cautelar de suspensão do despedimento.
Ainda assim se percebe que o despedimento coletivo é, pela sua natureza, um mecanismo insuscetível de representar uma tutela adequada aos trabalhadores abrangidos pelo mesmo, sendo longo o caminho a percorrer para alcançar o tão desejado equilíbrio entre as partes.